Cais

Em jeito de passadeira de entrada na familiaridade de um lar, o Cais da Cidade prolonga o existir mar adentro, como braço reticente entre o abraço da chegada e o adeus da partida. Ali perto, em pedestal de mito, Zarco suporta a espera vã. Crónica lavrada de um tempo contínuo, pontuada por floristas risonhas e vendedores ambulantes das iguarias de cada estação (ao preço de uma indulgência secreta), o pontão dissolve-se em vagas amordaçadas por rumores de gente e lembranças baças. Sobre o varandim metálico, entre o compasso da espera e a promessa de azul, a pausa escondida em dilatações de peito.

O cais faz-se de vazios: de gente que falta, de linhas que já foram, de demoras e pressas. É miradouro sobre o absoluto, belveder de escolhas, plantando futuros nos regos traçados pelos barcos que cruzam o horizonte. Ao lado, na esquadria nova de tragédias idas, a sombra ausente dos mastros do Vagrant. O Cais estende-se, sem termo nem razão, aos pés do mundo.