Um frenesim desordenando, cativo das correrias que se esvanecem na alternância entre a exígua calçada e o piso irregular da rua. A Carreira desenha-se como linha infinita, uma lança quebrada atravessando o coração da cidade. Diz-se que o seu traçado segue a memória longínqua de proezas e exibições no dorso de cavalos, quando a primitiva comunidade funchalense se esboçava em relatos de pequenos heróis. Carreira: consagrada à pressa desde o primeiro momento até ao último passo de cada entardecer. À sombra altiva dos velhos palacetes, algures entre a esplanada opaca e o amarelecer descuidado de uma velha loja de electrodomésticos, o eco persistente de um espírito empreendedor que não se desculpa nem se esconde. E lá ao fundo, na tasca que escapa aos tons moderados da moda, a silhueta arredondada do Sr. Mendes serve de marco na porta dos reencontros, onde uma geração se deixa ficar na solene contemplação de um tempo que já não lhe pertence. A rua prolonga-se em suas cicatrizes, não enjeitando a idade nem escondendo o pasmo. Reinventa-se. Deixa-se esculpir pelos olhares demasiado absortos numa teimosa ideia de destino final. É lugar de passagem, é mar alto nessa demanda universal por um qualquer porto de abrigo. Assim, sem justificação, desponta em cada superfície despida e exposta o polimento de inumeráveis vidas, a marca suave da espuma dos dias que faz do mais pequeno paralelo de rua um improvável património da Humanidade.