Subida ao Monte

Tocando as franjas do perpétuo nevoeiro, dois pináculos erguem-se como braços alvos de uma cidade suplicante. A escadaria preenche-se com o vagar de preces contínuas, entregues a uma maternidade omnipresente nos sussurros exalados pela esperança de outro tempo. O sagrado recinto deixa-se invadir pela profanidade que chega da rua, lá em baixo, onde os carreiros esperam pacientemente o cumprir da estação. De verde se tinge o olhar, descortinando o traçado das calçadas frias na cartografia íntima do que permanece. No Monte toca-se o céu sem a ilusão de o conseguir agarrar. Dentro da Igreja, recolhida num baldaquino de prata, a patrona da Madeira e da cidade disfarça a sua grandeza no confinamento da sua pequeníssima imagem. Diz-se que terá aparecido a uma pastora, uma criança muda, assim, pequenina e silenciosa ela também. A história das gentes do Funchal, contudo, escapou à menoridade de uma dependência infantil para ganhar o carácter de uma emancipação que se renova a cada encontro – uma fé que se constrói sem dependências, no afecto de uma vida em comum. Um sentir imenso que não ocupa espaço nenhum – como a imagem pequenina e silenciosa de uma mãe. A capacidade de ser alento na tribulação galgou os confins da sua estatura: tornou-se ponto de convergência, chama de presença na câmara escura da incerteza. Tocam os sinos (e libertam-se as asas de meia dúzia de pombos). O dia despenha-se no mar com um último beijo à silhueta incerta do Pico de São Martinho. No Monte, entre o Céu e a Terra, semeiam-se amanhãs.