Rua dos Tanoeiros

Em contraponto ao reboliço descendente da rua maior, ali mesmo ao lado, a calçada polida cede ao eco em obediência à escala universal da rigidez das solas. Sob o varandim esverdeado e gasto uma mulher semeia o troco nas profundezas insondáveis do seu pequeno porta-moedas, enquanto segura (num desajeitado aperto de cotovelo) o saco com a dezena acabada de comprar. Ditam os cânones que sobraram da viagem que haja espaço para o improvável quando a história se alonga sem querer fazer parágrafo – e assim (sem porquê nem desculpa) uma casa de jogos de fortuna serve de sótão à loja de santinhos, onde o velho São Lázaro se curva, perpetuamente, às muletas que lhe deram.

O ócio amarelado das horas jura-se rua abaixo, pelo colorido de cabedais à espera de pé e fugindo ao brilho metálico da tal novidade dos anos oitenta (que ainda alguém haverá de querer). Nada fica ao mudar de direcção. Nem o sorriso escuso de um cortar de caminho pela esquina polida da sapataria. Nem isso. Talvez um arrepio, um despertar solene da teimosia dos sentidos, naquele odor denso e atrasado a especiaria de mistura que chega da mercearia – em armário colorido, a meia dúzia de passos do copinho que ficou por beber.