Miradouro das Neves

Diante de nós, no regaço da arcaica devoção, a majestade de dois apaixonados: a cidade e o mar. O horizonte deixa-se traçar pela luz, fazendo-se vale e montanha para deleite do Atlântico, assim interrompido em sua uniformidade. Pelo fio recortado da costa, em trejeitos de espuma branca, o dizer de um beijo que se refaz a cada novo aperto, nas juras repetidas de Neptuno a Vénus. Daqui, deste monte sagrado, o Oriente ajoelha-se ao fim dos dias, rendido às arestas do casario e ao fogo que varre o entardecer de torres e colinas do Funchal. 

Não há precisão no dilatar dos céus – o ocaso acontece alheio às leis da Física, irrepetível e definitivo, conforme tudo o que deixa de ser. Distantes, como mágoa por revelar, os sinos rebimbam o amanhã que ainda se faz. Nas Neves cai a noite e a cidade reveste-se, uma vez mais, com o manto dos desejos.